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Atualidades
quinta-feira, 3 de abril de 2025

O novo consignado CLT: solução macroeconômica ou armadilha estrutural?

 


Por Andrêsa Araújo,

presidente da CDL de Itarema-CE

O modelo recentemente reformulado de crédito consignado para trabalhadores formais, instituído pela Portaria MTE nº 435/2025, exige uma análise mais profunda sob a ótica das dinâmicas macroeconômicas e das decisões financeiras estruturais. A proposta, ao permitir que até 35% da remuneração mensal do trabalhador seja comprometida com empréstimos de desconto automático em folha, tem implicações amplas para o comportamento do consumo, a eficiência do mercado de crédito e a sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo.

Liquidez imediata e estímulo à demanda agregada

Do ponto de vista financeiro, essa política atua como um mecanismo de injeção direta de liquidez no consumo privado. Ao facilitar o acesso ao crédito com garantias de recebimento por parte das instituições financeiras, há uma queda nos spreads bancários e, consequentemente, um aumento na propensão marginal a consumir.

No curto prazo, é possível prever efeitos expansionistas sobre a demanda agregada, gerando impulsos positivos no PIB, principalmente nos setores de bens duráveis, varejo e serviços. Contudo, essa expansão é financiada por uma dívida que compromete renda futura, e não por um aumento da produtividade ou da renda real dos trabalhadores, o que levanta preocupações estruturais.

Comprometimento de renda e erosão da capacidade de poupança

Do ponto de vista macroeconômico, a ampliação do crédito consignado CLT sem educação financeira e critérios claros de elegibilidade pode gerar uma trajetória de consumo artificialmente inflada. Isso impacta negativamente os indicadores de poupança doméstica – já historicamente baixos no Brasil – e pode reduzir a base de capital disponível para investimentos produtivos no longo prazo.

Além disso, o comprometimento de uma parcela significativa da renda dos trabalhadores com dívida contratada limita sua capacidade de absorver choques econômicos, como inflação, desemprego ou emergências de saúde. Isso aumenta a vulnerabilidade estrutural da economia à instabilidade.

Alívio para o sistema financeiro e risco moral

Para o setor bancário, a nova regra representa uma operação de risco reduzido com rentabilidade garantida, visto que o pagamento é assegurado pela fonte empregadora. Essa segurança, embora atraente para o sistema financeiro, pode gerar um efeito colateral: o risco moral. Com a inadimplência praticamente nula, instituições podem deixar de aplicar critérios rigorosos de concessão de crédito, ampliando o crédito sem a devida análise da capacidade de pagamento real do tomador.

Esse comportamento, no médio prazo, pode criar uma bolha de endividamento silenciosa, sobretudo se as condições macroeconômicas se deteriorarem ou se houver uma onda de demissões que comprometa a adimplência futura.

Externalidades para o Governo e a política fiscal

Ainda sob a ótica financeira, a medida tem um impacto relevante para o equilíbrio fiscal indireto. Trabalhadores excessivamente endividados tendem a depender mais de políticas assistenciais, pressionando os orçamentos públicos. Ademais, um ciclo de crédito excessivo seguido de retração no consumo pode aumentar a volatilidade da arrecadação tributária, desafiando a previsibilidade fiscal.

Por outro lado, ao fomentar o consumo formal, a iniciativa pode aumentar, em um primeiro momento, a base de arrecadação via tributos sobre consumo. O desafio está em equilibrar esse ganho de curto prazo com os custos sociais de médio prazo.

Racionalidade limitada e necessidade de regulação comportamental

Economicamente, a teoria da racionalidade limitada sustenta que os trabalhadores não possuem todas as informações nem a formação necessária para avaliar corretamente os impactos de longo prazo dessas decisões de crédito. Viéses como otimismo irrealista, ancoragem e ilusão de controle comprometem a qualidade da escolha.

Nesse cenário, políticas públicas deveriam prever a aplicação de princípios de arquitetura de escolha: como simulações obrigatórias de endividamento, alertas de comprometimento crítico de renda e períodos de carência para a conclusão do contrato.

Considerações finais

A expansão do crédito consignado CLT pode ser uma ferramenta potente de política econômica anticíclica. Contudo, do ponto de vista técnico-financeiro e macroeconômico, trata-se de um instrumento que, se mal calibrado, pode gerar desequilíbrios graves nos padrões de consumo, na sustentabilidade do crédito e nas finanças públicas.

A solução não está na negação do crédito, mas na implementação de uma governança robusta, com regulação sensível ao comportamento do consumidor e monitoramento ativo dos seus efeitos sistêmicos. Somente assim o crédito consignado CLT poderá cumprir seu papel como motor de desenvolvimento e não como propulsor do endividamento crônico.

*Andrêsa Araújo é presidente da CDL de Itarema-CE, contadora, especialista em Economia Comportamental com foco no desenvolvimento comportamental financeiro.

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