A eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos cria um cenário de incertezas e tensões no comércio mundial e, como não poderia deixar de ser, também se reflete nas relações entre a maior economia do planeta e o Brasil. Mesmo antes de empossado, Trump anunciou que pretende elevar as tarifas de importações em 60% para a China, de 10% a 20% para outros países, e em 25% para o México. No caso específico do Brasil, o efeito das tarifas dependerá do nível inicial do gravame, da dependência brasileira do mercado dos Estados Unidos, e da possibilidade de desviar as exportações para outros mercados.
O raciocínio faz parte do Índice de Comércio Exterior (Icomex) elaborado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Após destacar que “no campo do comércio, medidas unilaterais de proteção poderão ensejar um acirramento do protecionismo no mundo, o que reduziria o crescimento do comércio mundial”, o Icomex traz uma análise das relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos com base nos dados acumulados no período janeiro-outubro de 2024.
De acordo com o estudo, em 2022, a participação brasileira nas importações americanas foi de 2,6% e nas importações de 1,2%. Entre os 116 países com os quais os Estados Unidos têm superávit, o Brasil ocupa a sétima posição. O maior saldo é com os Países Baixos, seguido de Hong Kong, Singapura, Austrália, Emirados Árabes e Reino Unido.
A existência de um saldo positivo em favor dos americanos no intercâmbio bilateral poderia ser entendido como favorável pelo Brasil. Entretanto, sublinha o Icomex, “basta lembrar que, quando no primeiro mandato, Trump, por questões de segurança nacional, impôs restrições para vários produtos siderúrgicos e de alumínio, o Brasil não foi excluído”.
Segundo a Coordenadora do Icomex, professora Lia Vals, “os Estados Unidos são o segundo destino das exportações brasileiras, após a China. No acumulado do ano até outubro, a participação da China era de 29,3% e dos Estados Unidos de 11,6%. De janeiro a outubro, o volume exportado para a China recuou -10,2% e para os Estados Unidos aumentou +7,7%”.
EUA, pauta diversificada: China, só commodities
No período, segundo o Icomex, as exportações da indústria de transformação cresceram 7,9% acima da agropecuária e da extrativa. No acumulado do ano, a variação do setor de transformação só foi superado pela indústria extrativa. Esse resultado é influenciado pelo desempenho positivo das exportações para os Estados Unidos, concentradas na indústria de transformação. A participação da indústria nas exportações brasileiras para o mundo caiu de 81,6% em 2001 para 54,3% em 2022 e a participação dessa indústria nas vendas para os Estados Unidos recuaram de 95,9% para 78,8. Com esses dados, os elaboradores do Icomex concluíram que os Estados Unidos seriam um fator que atenuaria a “primarização da pauta de exportações do Brasil. Restrições ao comércio com os Estados Unidos, se generalizadas, poderão afetar o desempenho da indústria brasileira”.
O estudo aponta uma diferença relevante nos perfis de comércio do Brasil com os Estados Unidos e a China, de janeiro a outubro deste ano. No caso dos Estados Unidos, os cinco principais produtos respondem por 34% das exportações totais e os 15 principais itens equivalem a 53% do total embarcado. É uma pauta diversificada se comparada com a da China, onde apenas três produtos (soja, petróleo e minério de ferro) responderam por 77% das exportações brasileiras para os chineses no período.
Impacto das futuras tarifas
Na percepção dos autores do Icomex, o efeito sobre o comércio exterior brasileiro das tarifas que vierem a ser decretadas pelo presidente Trump vão depender 1) do nível inicial da tarifa; 2) da possibilidade de o Brasil desviar as exportações para outros mercados.
Entre os 15 produtos listados como passíveis de taxação, o mercado dos Estados Unidos representa mais de 50% das vendas externas brasileiras. Entre eles, três produtos siderúrgicos registram percentuais acima de 75% das exportações e menos de 30 mercados alternativos, no momento. As exportações de aeronaves se concentram nos Estados Unidos, mas é pouco provável que sofram elevações de suas tarifas.
Segundo o estudo, “entre os 15 produtos relacionados, café, carne, celulose, petróleo e açúcares, produtos nos quais o Brasil possui vantagens competitivas, os exportadores brasileiros poderão encontrar outros mercados, provavelmente na Ásia. Entretanto, em um mundo onde todos comecem a intensificar o uso de medidas protecionistas, desviar comércio não será fácil”.
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